domingo, 15 de agosto de 2021

Metallica “Black Album”: nada mais importa, literalmente

 





Parte I: das cassetes ao estúdio
Antes de chegarmos aos Metallica de 1991, para trás ficavam as primeiras pedradas no charco com “Kill ‘Em All” e “Ride the Lightning”, o clássico (e para muitos o melhor disco metal de todos os tempos) “Master of Puppets” e o álbum sem baixo “…And Justice for All”. A década de 1990 que se avizinhava começou a ser desenhada pelos Metallica em 1989, quando, na estrada, Lars Ulrich e James Hetfield já faziam planos de reunião em San Francisco. O método era o mesmo de sempre até então: os dois músicos encontravam-se e trabalham juntos a partir das cassetes cheias de riffs. Nessas fitas estavam malhas de James, Kirk Hammett e Jason Newsted – o esboço daquilo que seria o álbum homónimo dos Metallica, comummente conhecido como “Black Album”.

Duas semanas depois do último concerto em Glasgow, James deu início à sua rotina diária: 30 minutos a conduzir até à casa de Lars.

Um dos riffs contidos naquelas fitas era de Kirk, e o guitarrista estava em pulgas – era nada mais, nada menos do que a base para a entrada do êxito “Enter Sandman”. Lars, como líder reconhecido que é, ajudou a reformular uma malha esquartejada até àquilo que conhecemos hoje, mas ainda havia mais trabalho a fazer-se até irem realmente para estúdio.

Os Metallica precisavam de um produtor que não lhes fizesse as vontades, que os pusesse em sentido, mas, acima de tudo, que lhes proporcionasse um som extraordinário para fazer esquecer o desequilíbrio testemunhado em “…And Justice For All”. A escolha foi um produtor canadiano chamado Bob Rock, que tinha trabalhado com The Cult e Mötley Crüe.

Quando queres Bob Rock na equipa vais até ele e não o contrário, mas os Metallica não queriam ir para o Canadá. Reuniram-se nos estúdios One On One, no norte de Hollywood, e fizeram do espaço a sua casa, com mesas de bilhar, campos de basquetebol, máquinas pinball e sacos de boxe – tudo o que desse para aliviar a pressão. Seria bem preciso…!

Por onde começar? Pela relação entre Bob e Lars. Ambos queriam simplicidade, não só porque sim mas porque isso destacaria a pureza e o poder das novas músicas, mas não foi para isso que Lars andou a treinar. «Quando começámos em 1981, as duas maiores bandas na América nesse ano eram Rolling Stones e AC/DC», disse o baterista ao renomado biógrafo Mick Wall. «Lembro-me claramente de estar em casa do James e dizer que os dois piores bateristas do mundo são Charlie Watts e Phil Rudd!» Lars queria provar que sabia tocar, queria ser um Ian Paice e um Neil Peart, mas acabou por perceber que Watts e Rudd estavam mais próximos daquilo que devia fazer – pelo menos em Metallica.

O tratamento dado por Bob a Kirk fora diferente. Achando inicialmente que seria fácil, Kirk, que já era por demais elogiado pelas suas capacidades solistas, teve que se empenhar ainda mais e Bob fez questão que isso acontecesse. «Tive de me esforçar muito para sacar aquele solo», admitiu o guitarrista sobre “The Unforgiven”. «O Bob encorajou-me para pensar conceptualmente e não apenas com os meus dedos. Pensei muito sobre como seria a melhor maneira de abordar o solo de um ponto de vista mental. Como resultado, os meus solos tornaram-se mais suaves e mais confiantes.»



Com algumas dificuldades de entrosamento entre banda e produtor – a porta estava sempre entreaberta para uma das partes se pôr a andar –, algumas boas ideias e outras nem tanto, o trabalho ia sendo feito. «Todas as 12 músicas são nossas», disse Lars. «Foram compostas antes de irmos para pré-produção, mas o Bob foi enorme a ajudar-nos a construir o som todo. Toda a gente deu mais ideias. Na última vez, tinha sido: ‘Este é o meu som de bateria, e vai-te f*der!’ O forte do Bob era ser capaz de sacar boas performances de nós, especialmente as vozes.»




Parte II: o passado e as letras
Em 1989 e 1990, o universo metal e rock já estava habituado à barulheira dos Metallica e a banda da Califórnia era alvo de um suporte mediático que outros dos seus pares não eram. Por outras palavras, o grupo figurava em revistas como a Rolling Stone e até já tinha sido nomeado para um Grammy.

Lars tem uma teoria: «Acho que muito disso tem a ver com a nossa abordagem lírica e sobre querermos confrontar assuntos que eram mais realistas e tinham mais a ver com as coisas que estavam a acontecer à nossa volta. As letras do James são simplesmente diferentes de toda a porcaria cliché que a maioria das bandas metal cuspia. Quero dizer, sou o primeiro na fila para um disco de Slayer quando é lançado, porque penso que os Slayer são absolutamente os melhores no que fazem. Mas liricamente é um peixe totalmente diferente. Sempre fomos inflexíveis ao fugir dos clichés do metal – toda a porcaria sexista e satanista – e como consequência parece que os jornalistas com influência aclamaram os Metallica.»

James era figura central na escrita de versos e prosseguiu a sua forma de escrever em temas como “Nothing Else Matters”, “Wherever I May Roam” e “The God that Failed”, esta que lhe é ainda mais particular ao falar da sua infância, uma que foi fundada na Ciência Cristã, um credo que refuta a medicina, acreditando-se que deus tem poder para curar o corpo que não passa de um mero veículo da alma. Isto trouxe ao frontman dos Metallica distanciamento social dos seus colegas de escola. «A música revisita a alienação e as repercussões disso. São apenas os meus pensamentos da minha infância. Não me podem negar isso», disse.

Lars, por seu lado, teve um crescimento bastante diferente. Nativo da Dinamarca, pertencia a uma família com posses e o pai, Torbin, chegou a fazer parte do ranking mundial de ténis. Lars viu Deep Purple aos 10 anos, o que fez com que a música ganhasse ao desporto – o verdadeiro caminho seria depois forjado quando conheceu James.




Parte III: a balada e a orquestra
Pode não ser a música que define Metallica – o que é uma assumpção extremamente subjectiva de se fazer –, mas “Nothing Else Maters” é a peça que pôs os não-metaleiros a ouvirem a banda. Mais uma composição pessoal de James, sem pretensão para que fosse usada, muito menos em Metallica, o pote de ouro estava aqui.

Bob sugeriu uma orquestra, Lars estava aberto a isso e James estava embaraçado – o vocalista/guitarrista simplesmente não sabia o que fazer com aquilo que estava a ser proposto. «Nem sei compor música. Nem sei as notas da guitarra. [risos]», confessou.

O produtor trouxe à baila um compositor galardoado chamado Michael Kamen. Um pouco como James, o maestro também ficou apreensivo quando o contactaram. «Não era devoto do trabalho dos Metallica, [mas] sabia deles. Quando me mandaram a música, fiquei verdadeiramente surpreendido», disse Kamen.

O compositor preparou as partes orquestrais e devolveu-as à banda para nunca obter resposta.

Finalmente conheceram-se numa gala dos Grammy Awards, já “Black Album”, lançado em Agosto de 1991, tinha alcançado várias platinas. Michael Kamen apresentou-se à banda e referiu ter sido o compositor das orquestrações para “Nothing Else Matters”. «Adorámos», responderam os Metallica. «Oh, boa. Mas não dá para ouvir muito da orquestra na versão final», retorquiu Kamen.

Entretanto, os receios iniciais e as palavras iriam passar a acções concretas quando os Metallica mostraram a Kamen uma versão da balada apenas com guitarra, voz e orquestra. O maestro sugeriu que se fizesse um espectáculo completo. O resultado seria “S&M”, lançado em 1999, em que sinfonia (San Francisco Symphony) se encontrava com metal (Metallica) – um marco histórico que abriu portas a outras experiências, concretamente no black metal com Cradle of Filth e Dimmu Borgir à cabeça.

Com “Nothing Else Matters”, os Metallica pularam todas as fronteiras pré-definidas, tanto por si como pelo género musical, e acabaram por perceber que estavam cada vez mais longe das raízes do thrash metal. Lars, como sempre, defende a sua dama: «Tenho a certeza de que vamos ter muita gente a dizer que nos vendemos. Mas já ouço essa merda desde o “Ride the Lightning”. As pessoas já diziam ‘buh, vendidos’ naquela altura. Uma parte de mim quer defender-se – só porque são músicas mais curtas, não quer dizer que sejam mais acessíveis – e a outra parte diz que não quero saber.»




Parte IV: o futuro
O trabalho à volta de “Black Album” foi exaustivo. Depois de sete meses em estúdio, as misturas finais foram feitas em Nova Iorque. Só “Enter Sandman” demorou 10 dias. Em desespero, “Holier than Thou” foi a última faixa a ser misturada e, ironicamente, até tinha sido pensada para primeiro single quando ainda andavam à volta das maquetes.

Lançado a 12 de Agosto de 1991, “Black Album” deu aos Metallica tudo em contrário ao que, ingenuamente, muitos vaticinavam em tempos como um grupo que não sairia da Califórnia. Metallica era agora uma banda em modo rolo compressor que vendeu milhões e ainda vende (em 2018 comemorou-se a 500ª semana não-consecutiva do disco nas tabelas da Billboard), com digressões cada vez maiores e com um aparato mais megalómano a cada nova viagem pelo globo. Quando decidiram fazer uma pausa após toda a promoção feita a “Black Album”, os quatro músicos já estavam seguros artística, comercial e financeiramente.

Nos anos seguintes, cortaram-se os cabelos, pintaram-se os olhos e as unhas, afastaram-se escandalosamente do berço metálico e nada seria como antes. Contava o presente, com olhos no futuro, e a reinvenção – nada mais importava, literalmente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário