segunda-feira, 3 de abril de 2017
Iron Maiden: como foi o lançamento da banda no Brasil?
Texto originalmente publicado por Ricardo Batalha na edição 139 da Roadie Crew.
As velhas gerações de fãs de Rock e Heavy Metal se acostumaram a aguardar anos por um lançamento no mercado fonográfico brasileiro. Um disco que saia por aqui era motivo de festa. Imagine, então, o que ocorria quando o álbum era lançado por uma banda novata e desconhecida do grande público.
Quando o trabalho de estréia do Iron Maiden chegou ao Brasil, com grande atraso, a banda já havia formado um sólido alicerce e não era mais apenas uma grata revelação da New Wave Of British Heavy Metal. No ano em que saiu o segundo álbum, “Killers” (1981), um funcionário da sucursal paulista da gravadora EMI-Odeon do Brasil ficou curioso com um anúncio publicado na revista Cash Box. “Folheando a Cash Box vi a cara do Eddie estampada na capa do primeiro LP, em um rodapé de página. Gostei demais da capa e, mais ainda, quando li ao lado dela as palavras EMI-America” lembra Paulinho Heavy, ex-vocalista do Inox e ex-apresentador do extinto programa Som Pop da TV Cultura.
A curiosidade deu lugar ao instinto e o tino comercial falou mais alto. “Liguei para o Departamento Internacional da EMI-Odeon na matriz no Rio de Janeiro e perguntei se o Iron Maiden era nosso, mas a secretária disse que não iria vender porque era “pauleira demais”, conta Paulinho, que insistiu e requisitou o material, que não lhe foi enviado. Movido pela curiosidade, pediu uma cópia do disco a um amigo que viajaria para os EUA. “Semanas depois, recebi minha encomenda. Para minha surpresa, não se tratava do primeiro LP, mas do “Maiden Japan”, numa clara referência ao “Made In Japan” do Deep Purple, banda pela qual sou fanático”, destaca. “Pirei, literalmente, com Steve Harris & Cia!”, completa.
Convencido de que seria um bom negócio, mais uma vez entrou em contato com a matriz da EMI no Rio de Janeiro para requisitar mais material. Entretanto, a resposta que ouviu do então diretor do Departamento Internacional, foi desanimadora e que o foco da gravadora seriam os New Romantics – Duran Duran, Classix Nouveaux, Missing Persons, entre outros.
Sem se dar por vencido, Paulinho começou a apresentar o Iron Maiden a todos os seus contatos, já que trabalhava na assessoria de imprensa da EMI em São Paulo. “Comecei a fazer um trabalho de base com cada jornalista amigo que conhecia. Com os vendedores foi a mesma coisa. Gravei vários cassetes e distribui aos caras, a fim de que mostrassem aos lojistas e sentissem suas reações”, explica.
Munido de depoimentos, que formatava em relatórios, Paulinho começou a enviá-los aos diretores da empresa. “Achavam que tudo era somente fruto do meu gosto pessoal”, diz. “Passado algum tempo, o Iron Maiden também colaborou ao lançar The Number Of The Beast e foi justamente aí que o processo se inverteu”, completa.
Rapidamente, o terceiro álbum do Iron Maiden chegou à sala de Paulinho Heavy, que recebeu LP, fotos, releases e brindes. A partir de então, ele tinha uma clara missão proposta do Departamento Internacional: “Você encheu tanto o saco que se conseguir colocar uma critica bem feita na Revista SomTrês e tocá-lo na Rádio Excelsior dentro do Programa Rock Sandwich (apresentado por Leopoldo Rey e Kid Vinil), nós lançaremos”, narra Paulinho que, para botar seu projeto em prática, se aproveitou do fato de os Rolling Stones estarem gravando o álbum “Undercover” (1983). “Tratei de reservá-lo como sendo um ‘coringa’ uma vez que seria disputado a tapas pelos críticos daquela revista – José Emilio Rondeau, Ana Maria Bahiana, Tárik de Souza, entre outros”, explica. “Chamei um amigo, que também pleiteava a ascensão social ao rol dos críticos renomados, e fiz minha oferta: ‘Cara, se você escrever uma boa crítica sobre esta obra do Iron Maiden, terá como brinde exclusivo e, em primeira mão, o Undercover dos Stones para a Revista SomTrês”, completa.
O crítico em questão era Paulo Ricardo Medeiros, que anos depois ficaria famoso liderando a banda de Pop/Rock RPM. “Após um ‘Olhar 43’ misto de espanto com gratidão, ele aceitou prontamente. E também ficou ‘chapado’ no que ouviu”, destaca Paulinho.
Com a data do lançamento da revista que traria a crítica acertada, Paulinho foi até a rua das Palmeiras, onde ficava a sede da rádio Excelsior. “Lá, através do Maurício Kubrusly – Editor da SomTrês e Diretor da Excelsior – conheci um dos caras mais legais do meio do Rock: Leopoldo Rey. Ele me recebeu bem, achando que teria uma missão muito difícil a seguir, pois não conhecia o som da banda”, recorda. “No seu jeito acaipirado de falar, foi logo dizendo: ‘Se for ruim, nóis num toca… os ouvintes mata nóis!”, diverte-se Paulinho, que apenas pediu para que ele ouvisse a faixa título. “Ele disse: Que porrada. Nossa, que puta som! VÔ é tocá já”, completa.
De volta à EMI, Paulinho acabou relatando o fato aos seus superiores, pedindo urgência no lançamento, uma vez que a rádio tocaria o disco de forma maciça no programa Rock Sandwich. “Foi quando descobri que haviam feito um trato: “Se não vender duas mil cópias, mandem aquele cara embora: Com os dentes cerrados a Ia Eddie, assimilei o golpe e, mesmo assim, enviei mais um míssil em formato de circular interna para todos os diretores da companhia, dizendo: “Favor otimizarem a produção da fábrica pois, devido ao lançamento do Iron Maiden, haverá um excedente de pedidos e faltará o produto em questão: Dito e feito”, exalta.
Quando os vendedores foram às ruas, o que se viu foi uma empresa multinacional totalmente perdida em uma avalanche de pedidos. “Foi muito engraçado perceber o despreparo e o desespero de quem não botava a mínima fé tendo que engolir em seco e reformular todas as suas programações”, ironiza Paulinho.
A prova da força da banda foi testada junto aos fãs, que àquela altura estavam tomando conhecimento do lron Maiden pela primeira vez. Walcir Chalas, proprietário da Woodstock Discos, tinha o costume de deixar o vinil tocando para ver a reação dos clientes. “Quando eu gostava de algum disco, deixava o vinil rolando direto na Woodstock, pois gostava de sentir o impacto junto ao público. Como era de se esperar, os headbangers me perguntavam sempre a mesma coisa: ‘Nossa o que é isso?’ Eu respondia com muito orgulho: Isso é Iron Maiden!”, relembra. “Trinta anos do Iron Maiden? Parece que foi ontem, pois foi graças a esse disco, que veio junto com a New Wave of British Heavy Metal, que percebi que o sonho não tinha acabado”, completa o ex-apresentador do programa Comando Metal.
Luis Carlos Calanca, proprietário de outra lendária loja de discos, a Baratos Afins, lembra que no início as poucas cópias de Iron Maiden que estavam disponíveis para a venda custaram a sair. “Havia uma curiosidade do público, mas não chegava a empolgar. As vendas ainda estavam muito tímidas. Mais tarde, em São Paulo, estava sendo inaugurada uma nova casa noturna chamada Tifon e foi lá onde ouvi pela primeira vez “The Number Of The Beast” a todo volume. Daí em diante as vendas só aumentaram a cada novo lançamento”, destaca. “Inacreditavelmente, dezenas de bandas semelhantes surgiram em todo o mundo, inclusive no Brasil! As primeiras que vi e ouvi tocando repertório do lron foram o Salário Mínimo e o Avenger, esta última que tinha uma versão bem na cola da The Number Of the Beast, que era a 999, O Número do Bob. O Bob era o Celso Barbieri, que vestia uma máscara e imitava o monstrinho do Iron”, completa.
Assim, Paulinho Heavy – o “descobridor do lron Maiden no Brasil” – foi promovido duas vezes em um único ano. “Ganhei um monte de brindes, autógrafos e agradecimentos diretamente dos caras e de todo o staff do Maiden. Em menos de seis meses, The Number Of The Beast chegou a Disco de Ouro pelas 100 mil cópias vendidas e cogitou-se trazê-Ios ao Brasil para ser efetuada a entrega no programa do Chacrinha”, conta.
Entretanto, a saída do baterista Clive Bur inviabilizou a vinda do grupo ao país para receber o prêmio da EMI, que apostava nos New Romantics, mas de uma hora para outra virou a ‘rainha do Metal no Brasil’. “De três em três meses, a EMI colocou os LPs anteriores do Iron Maiden no mercado e lançou a coleção ‘Heavy Metal Attack’, com várias bandas que estavam esquecidas no seu elenco – Helix, Great White, W.A.S.P., Queensrÿche e Icon – além de incrementar as vendas do Whitesnake, que culminou com o convite para sua participação do primeiro Rock in Rio”, esclarece.
Muito mais do que se tornar referência no Metal, a EMI, através do trabalho de Paulinho Heavy ao apostar no lron Maiden e no estilo, fez com que fosse mudada a atitude em todas as demais gravadoras. “Aleitadas pelo sucesso de vendas, elas começaram a incluir um monte de bandas de Rock em seus casts”, finaliza Paulinho Heavy.
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