sexta-feira, 13 de outubro de 2023

50 Anos de Selling England By The Pound













Qual é o grande álbum do Genesis? Se você perguntar para fãs do grupo britânico, nove a cada dez deles irão certamente responder que o grande álbum do grupo é seu quinto disco de estúdio, Selling England by the Pound, que hoje completa cinquenta anos. Foi neste disco que Peter Gabriel (voz, flautas, percussão), Tony Banks (teclados, violões, mellotron, órgão, piano), Mike Rutherford (baixo, violões, voz), Steve Hackett (guitarras, violões) e Phil Collins (bateria, percussão, voz), conquistou o mercado mundial, entrando nas listas de mais vendidos e consolidando-se como um dos mais importantes grupos do rock progressivo mundial.

O álbum é marcado por uma sequência de crescendos que começaram dois anos antes, com o lançamento de Nursery Cryme, e a consagração dos shows do grupo na turnê de Foxtrot, quando Gabriel resolveu recriar as canções do grupo em cima do palco, através de fantasias e encenações teatrais, sendo o auge das apresentações a execução da suíte “Supper’s Ready”, na qual, após diversas mudanças de fantasias, Gabriel voava sobre o palco amarrado em cordas, ou então acendia luzes ultravioleta, bem como explosões, que chocavam as plateias com as novidades.

Dois momentos de Gabriel “voando” pelo palco durante “Supper’s Ready”

Só que musicalmente, o grupo ainda buscava um formato, uma direção. Apesar do sucesso de “Supper’s Ready”, muitos julgavam que a figura de Gabriel estava carregando os demais, e foi com o objeto de apagar essa imagem que o quinteto trancou-se nos estúdios, e durante todo o mês de agosto de 1973, após muito trabalho, pariram composições que marcaram o rock progressivo, e ainda, conquistaram uma geração de jovens com um pop sutil, praticamente brega, mas que alavancou as vendas do grupo em 100%, e colocou-os no mesmo patamar dos já gigantes King Crimson, Yes, Pink Floyd e Emerson, Lake & Palmer.

Através das oito canções do LP, percebemos o como a banda cresceu e amadureceu, saindo do beat-rock dos pubs londrinos no início de sua formação, as experimentações acústicas de Trespass, até chegarmos na mistura (perfeita, diga-se de passagem) do acústico com o elétrico apresentada nos álbuns 
Nursery Cryme e Foxtrot
.
Britannia, fantasia de “Dancing With the Moonlit Knight”

Todas essas características condensam-se em Selling England by the Pound, a começar por “Dancing with the Moonlit Knight”, uma das obras-primas da carreira do Genesis, com mais de oito minutos de duração, criticando e ironizando a sociedade inglesa, e que havia chegado no formato de compacto no dia 03 de agosto de 1973. Um dos principais clássicos da carreira do grupo surge com Gabriel a capella, que alterna-se entre uma introdução acústica típica de gemas como “The Musical Box” e “Supper’s Ready”, para uma sessão instrumental pesadíssima, com um solo espetacular de Hackett, empregando técnicas como arpejos, tapping e tremolo, além de uma cozinha fabulosa feita por Collins (um dos bateristas mais injustiçados da história do rock) e Rutherford. Destaque também para a utilização pela vez primeira do sintetizador 8 Voice Choir, simulando um coral.

A canção responsável por subir as vendas do Genesis vem na sequência, no caso, “I Know What I Like (In Your Wardrobe)”, um pop assustador, jamais ouvido nos discos anteriores do grupo, contando a história do jardineiro contratado para fazer oGroundskeepin (aquela jardinagem estética eternizada no filme Eduardo, Mãos de Tesoura, de 1990), e cuja letra foi inspirada na capa do álbum. Esta foi a última canção a ser composta para Selling England by the Pound, e é única canção do grupo a contar com o Sitar, instrumento que no álbum foi tocado por Rutherford. O refrão cheio de vocalizaões, o sintetizador ARP Pro Soloist de Banks e as percussões e barulhos de Collins já indicavam as mudanças que estariam por ocorrer no Genesis, e eu particularmente considero esta a canção mais fraca do LP.
Gabriel como o jardineiro de “I Know What I Like (In Your Wardrobe)” (Tony Banks ao fundo)

Por outro lado, na terceira faixa do LP, o Genesis nos propicia a Maravilha “Firth of Fifth”, a canção sobre o rio que deságua no oceano, e que é uma aurora boreal espalhada pelo mundo através das notas saltitantes do piano na introdução e do arrepiante solo de Hackett na parte central, além de uma performance perfeita de Gabriel na flauta. A mistura de sonoridades da canção cativa, e desconheço fã do grupo que não goste dessa canção criada por Banks.

O lado A é concluído com a balada “More Fool Me”, uma rara especiaria concebida pela cozinha da banda, e tendo apenas Rutherford ao violão e Collins nos vocais. O interessante dessa canção é que ela é a segunda a ter os vocais de Collins exclusivamente. Ninguém imaginava que dois anos depois, ele tornaria-se o vocalista principal do grupo.O lado A de Selling England by the Pound

É no lado B que Selling England by the Pound mostra sua força. Para começar, é um lado mais longo que o normal, com quase meia hora de duração (vinte oito minutos e quarenta segundos), com duas mini-suítes que entraram rapidamente entre as preferidas da banda. Uma delas é a que abre o lado B, “The Battle of Epping Forest”. A história das gangues rivais disputando território é marcada pelas mudanças tonais na voz de Gabriel, e também pelo andamento veloz da mesma, além das diversas variações de melodias.

No total, são doze mudanças de andamento ao longo dos quase doze minutos da canção, saindo da marcha de guerra da introdução, e passando pelo baixo sacolejante do início da letra, as vocalizações do refrão, os eletrônicos da parte central, com destaque certamente para as escalas jazzísticas de Rutherford, os curtos solos de Banks e Hackett e claro, a interpretação única de Gabriel no trecho final da canção, encarnando diversos personagens das gangues. Os teclados de Banks, cada vez mais eletrônicos, também chamam a atenção, sendo que é essa sonoridade dos teclados que iriam marcar a carreira do Genesis pós-saída de Peter Gabriel.

Segundo os músicos da banda, essa é a canção mais complicada e de difícil interpretação que o grupo gravou, seja pela enorme letra da canção (quatorze parágrafos, quase todos com mais de cinco sentenças), quanto pelas quebras de ritmo e mudanças atonais que a canção possui. Tanto que após a turnê de Selling England by the Pound, ela nunca mais foi apresentada ao vivo., mas mesmo assim, ficou eternizada como uma das melhores canções do grupo.O Reverendo de “The Battle of Epping Forest”

“After the Ordeal” é uma linda canção instrumental, na qual Hackett exibe-se em duas partes distintas, a primeira no violão clássico, acompanhado por um virtuoso arranjo de piano, e depois na guitarra, acompanhado pelo órgão, baixo e bateria, e sobre um suave andamento, arrancar lágrimas de sua Les Paul, comprovando que era capaz de soar ainda mais melodioso e dramático do que os solos de David Gilmour (Pink Floyd).

Ainda vem mais. A segunda canção mais longa da carreira do grupo, com doze minutos e treze segundos de duração, roda tranquila na vitrola, sob codinome “The Cinema Show”, e dividida em duas partes. Muitos a tem como a principal rival para “Supper’s Ready”, e realmente, “The Cinema Show” é uma épica canção, repleta de variações, foi inspirada no livro The Waste Land, de T. S. Eliot, e narra a história de Romeo e Julieta (nomes advindos dos personagens de Shakespeare), com Julieta sendo uma típica dona de casa e Romeo um pobre homem apaixonado por sua mulher, destacando a força do amor de duas pessoas destinadas a se apaixonar.

A história é contada como uma sátira a um trecho do poema de T. S. Elliot, na qual o personagem Tirésias vive um tempo como homem e depois como mulher, afim de descobrir qual dos dois sente mais prazer durante a relação sexual. As alusões estão presentes na citação “There is in fact more earth than sea” e em outras passagens da letra.

Ela começa sua primeira parte com um lindo arranjo de violões que nos remete diretamente para “Stagnation”. A voz de Gabriel soa diferente, mais angustiante, e as vocalizações de Collins dão mais dramaticidade para a canção. A guitarra de Hackett aparece com efeitos, e a mistura com o dedilhado dos violões, além de vocalizações, fazem um contra-ponto com o que já havia sido apresentado em “Supper’s Ready”, talvez por isso que os fãs tanto dividem-se entre ambas.Cédula construída para promoção do álbum

O trecho instrumental, na qual um solo de flauta é apresentado, faz uma viagem por caminhos cibernéticos de altíssima codificação, com os instrumentos comunicando-se diretamente com cada um dos neurônios do ouvinte, colocando-os em ressonância de maneira prazeirosa, atingindo o clímax pré-orgásmico nas vocalizações que encerram a primeira parte, que são daquelas para serem entoadas em praça pública por uma multidão de pessoas.

O grande momento de prazer proporcionado por “The Cinema Show” fica por conta do longo solo de sintetizador executado por Banks na segunda parte da canção. Ele domina seu ARP Pro Soloist com uma agilidade incrível, passeando seus dedos pelas teclas enquanto Collins e Rutherford comandam o andamento veloz. A melodia do tema que faz a ponte do solo foi cantada a exaustão pelos fãs por onde o Genesis apresentou a canção, e “The Cinema Show” acabou sendo eleita como a melhor performance da carreira de Banks, taco-a-taco com “In the Cage (The Lamb Lies Down on Broadway).Mike Rutherford, Phil Collins, Peter Gabriel, Steve Hackett e Tony Banks

Por fim, “Aisle of Plenty” retoma os andamentos de “Dancing With the Moonlit Knight”, com o 8 Voice Choir soando forte enquanto Gabriel comenta seus caminhos por corredores de supermercado, mas o mais importante é o sentido de loop que o tema de “Dancing With the Moonlit Knight” deixa, com o fim do álbum sendo exatamente o início (assim como foi em In the Wake of Poseidon, do King Crimson).

Os efeitos no início e no final de “I Know What I Like (In Your Wardrobe)”, simulando um cortador de grama, foram criados através de um mellotron, e quem é responsável pelos mesmos foi Gabriel, o qual brincava no instrumento enquanto Banks estava no banheiro. O single da canção (tendo “Twilight Alehouse” no lado B) alcançou o décimo nono lugar nas paradas inglesas, e chegou a ter um video-clipe para promovê-lo no programa Top of the Pops. Foi o maior sucesso comercial da era Gabriel.

Selling England by the Pound foi o primeiro disco do Genesis a alcançar o Top 5 da parada britânica chegando na terceira posição (septuagésima nos Estados Unidos, aonde conquistou ouro dezesseis anos depois). O grupo fez uma das mais longas turnês de sua carreira, começando no dia 06 de outubro de 1973 na cidade de Manchester, Inglaterra, passando por apresentações na Escócia, Inglaterra, Canadá e Estados Unidos (os dois últimos entre novembro e dezembro de 1973), novamente a Inglaterra, destacando seis noites seguidas no Drury Lane Theatre de Londres, entre 15 e 20 de janeiro de 1974, Holanda, Bélgica, Suíça, Alemanha, Itália, França (os dois últimos em fevereiro de 1974) e finalizando com uma longa excursão pela América do Norte entre os meses de março e maio de 1974, totalizando noventa e oito shows em sete meses (uma média de um show a cada dois dias).Um pouco mais da fantasia Britannia

Nessas apresentações, além das já conhecidas fantasias do homem-morcego em “Watcher of the Skies” (que abria os espetáculos), o velhinho de “The Musical Box” e as diversas fantasias de “Supper’s Ready”, quatro novos personagens adentraram para o contidiano de Gabriel em cima dos palcos. O mais famoso deles foi o Britannia, personagem que surgia na abertura de “Dancing With the Moonlit Knight” na qual Gabriel usava um capacete de Dragão Inglês, uma armadura com a bandeira do Reino Unido e um tridente. As vezes, um escudo com a bandeira do Reino Unido pintada nele, também era utilizado.

Outros personagens famosos foram o jardineiro de “I Know What I Like (In Your Wardrobe)”, com Gabriel utilizando apenas um chapéu de jardineiro, e O Reverendo de “The Battle of Epping Forest”, personagem que aparecia no meio da canção tentando apaziguar as gangues, com Gabriel utilizando uma meia cobrindo sua cabeça e face, além de gravata, um colete e (as vezes) uma cartola, sendo que no início e no final da canção, Gabriel surgia apenas com a meia cobrindo sua face, todo vestido de preto e percorrendo pelo palco fazendo encenações em alusão à letra da canção.

A capa do álbum foi pintada por Betty Swanwick, e se tornou uma das mais célebres capas do rock progressivo. Vale a pena chamar a atenção que a pintura original, chamada “The Dream”, não contém o cortador de grama, que foi inserido pela banda como uma alusão para “I Know What I Like (In Your Wardrobe)”. No Brasil, a contra-capa do LP apresenta as letras das canções, sendo nosso país o único a conter essa contra-capa, já que as letras nos demais países vinham impressas em um encarte que acompanhava o vinil. Assim, a versão brazuca é bastante procurada pelos estrangeiros.



Diferentes capas do compacto de “I Know What I Like (In Your Wardrobe)” ao redor do mundo: Japão (acima), Holanda (centro) e Reino Unido (abaixo).

Por fim, existe na internet um CD Duplo (pirata, claro) chamado Selling England By the Sessions (1972-1973), que traz diversos takes de gravações do álbum, com destaque para os ensaios de “The Battle of Epping Forest”, mostrando detalhes que corroboram o fato da canção ser especialmente intrincada, e também versões inicias para “Firth of Fifth”, “The Cinema Show”, “Dancing With the Moonlight Knight”, além de mixagens e versões alternativas para “I Know What I Like (In Your Wardrobe)”, “After the Ordeal” e “More Fool Me”. Com certeza vale a pena buscá-lo para se ter um pouco de ideia do que rolava nos estúdios durante a gravação do álbum.

A fama do Genesis não parou de crescer a partir de então, e a curva exponencial que mandava no sucesso da banda atingiu seu platô no álbum seguinte, The Lamb Lies Down on Broadway, com mais uma gigantesca turnê e que levou a saída de Gabriel. Mas isso é história para quando comemorarmos os cinquenta anos dessa Maravilha de disco.Contra-capa da versão inglesa

Track list

1. Dancing With the Moonlit Knight

2. I Know What I Like (In Your Wardrobe)

3. Fifth of Firth

4. More Fool Me

5. The Battle of Epping Forest

6. After the Ordeal

7. The Cinema Show

8. Aisle of Plenty

Compartilhar:

Nenhum comentário:

Postar um comentário