Os últimos 18 meses têm sido uma montanha russa de sentimentos. Os quatro cantos do mundo sofreram com as consequências da pandemia da covid-19 e muitas pautas vieram à tona, especialmente aquelas que destacam a importância da saúde mental e do diálogo aberto entre mentes que pensam diferente. Isso tudo não é novidade para ninguém e os fãs de rock e heavy metal viram esses assuntos sendo reforçados nas músicas de seus artistas preferidos, e com Tom Morello não foi diferente.
Prestes a sair em turnê com o Rage Against The Machine, um retorno esperado por fãs do mundo todo, Morello e seus colegas precisaram cancelar as datas tão aguardadas. Em casa com a família sem poder sair – como todos nós -, o guitarrista, vocalista, compositor e ativista retomou o projeto solo que estreou em 2018 com The Atlas Underground. Nesta sexta, 15, Tom Morello dá continuidade ao projeto com o álbum The Atlas Underground Fire.
Em uma coletiva de imprensa exclusiva para jornalistas brasileiros, Morello, em sua simpatia e bom humor típicos, conversou com hell metal e radio rock 666 e outros veículos sobre o lançamento. O álbum, ele conta, foi criado inteiramente durante o período de quarentena que passou em sua casa em Los Angeles, Califórnia. “Desde meus 17 anos até 2020 estive escrevendo, gravando e me apresentando constantemente e tudo isso parou de repente, então foi muito difícil para mim.”
Morello conta que apesar de ter um estúdio em sua casa, ele não sabe manuseá-lo, pois sempre esteve acompanhado de um engenheiro de som nos momentos em que ia gravar. “Eles só me deixam mexer no botão de som. Não sei mexer em nada.” O guitarrista, assim como todos nós, não sabia quando teria uma previsão de volta ao trabalho, então decidiu tocar sozinho e experimentar algumas coisas diferentes, até que teve a ideia de gravar tudo em seu celular. “Foi um bote salva-vidas. Não planejava gravar um álbum nem nada do tipo. Sabe, durante aqueles dias uma ansiedade, depressão e medo foram batendo. Precisava manter a vovó viva, manter as crianças sãs. Então essa foi minha forma de escapar por 45 minutos, criar um pouco, ser a pessoa criativa que sou e voltar.” Tecnologia é um desafio para Morello, algo que ele deixou bem claro desde o início da coletiva, quando entrou na sala do Zoom e teve dificuldade em abrir sua câmera para os jornalistas o verem. Mas tudo se resolveu bem rápido, assim como no caso do álbum. Ele conta que listou nomes de músicos com quem gostaria de colaborar um dia e enviou as gravações do seu iPhone para eles, sem a expectativa que isso pudesse se tornar o que tornou.
The Atlas Underground Fire tem 12 faixas, todas com participações especiais. Dentre elas, Bruce Springsteen e Eddie Vedder no cover de “Highway to Hell”, do AC/DC, Bring Me The Horizon em “Let’s Get The Party Started”, Chris Stapleton em “The War Inside”, Grandson em “Hold The Line” e Sama’ Abdulhadi, DJ palestina, em “On The Shore Of Eternity”. Durante a coletiva, Morello contou como algumas dessas colaborações aconteceram.
O cover do AC/DC começou muito antes da pandemia, quando saiu em turnê com Bruce Springsteen como parte da E Street Band em 2014. Durante um show na Austrália, Eddie Vedder, que estava por lá também, se reuniu com Springsteen e Morello para uma jam session. Nela, o trio tocou o hit do AC/DC apenas como uma brincadeira, mas claro, mais tarde, quando pensou em colaborações possíveis, logo pensou em Springsteen e Vedder e na canção.
A canção com o cantor country Chris Stapleton veio de uma vontade de trabalhar com ele após conhecê-lo no evento em tributo a Chris Cornell que aconteceu em 2019. “Queria colaborar com ele pra ver no que podia dar e acabou que ele foi a primeira pessoa com quem trabalhei especificamente para esse álbum”, ele contou. “Começamos a conversar e desabafar (…) e duas horas depois tínhamos muito material bom.” Morello ainda disse que Stapleton o lembrou de Cornell pela forma que ele trabalha e compõe. Ao falar sobre Chris Cornell, Morello abre um sorriso triste e diz o quanto sente falta do colega. “Ainda estou devastado com a morte dele. Não superei até agora. É horrível, todos os dias. E sou muito agradecido pelo fato de ter trabalhado com ele.”
Além das parcerias, algo importante para Tom Morello durante a criação do trabalho foi o tema. Em The Atlas Underground Fire, ele nem pensa em deixar o tom político de lado. “Tenho uma existência artística e não só como guitarrista, mas como artista no geral. Busco formas diversas de me expressar e não só para entreter o público, mas também para confrontar o público sobre um ponto de vista que eles foram obrigados a ter.”
Morello sempre foi um ser político. Nascido em 1964 no Harlem, bairro de Nova York, o guitarrista é filho único de Mary Morello, uma professora ítalo-americana, com Ngethe Njoroge, um diplomata nigeriano. O casal, que terminou o relacionamento pouco depois do nascimento de Tom, se conheceu durante um protesto pró-democracia na Nigéria. Ambos sempre se posicionaram politicamente em seus trabalhos e vidas pessoais, ensinando Tom Morello a fazer o mesmo. Atualmente, o guitarrista é um dos artistas mais politizados do rock.
O lado político e militante de Morello ouvimos em “Hold The Line” e “The Achilles List”, por exemplo. Já em “The War Inside” e “Driving to Texas”, por exemplo, ele aborda outro tema importante, o da saúde mental. Em plena pandemia, o músico precisou aprender a trabalhar de forma diferente daquela que fez em toda a sua vida com Rage Against the Machine, Audioslave e Prophets of Rage. “Essas são mais introspectivas, refletem a ansiedade que senti durante esse período de quarentena.” A terceira parte, como Morello a descreveu, é a linha instrumental que não poderia faltar em um álbum do guitarrista. “O disco começa com uma música instrumental que é ‘Harlem Hellfighter’ e termina com a canção de Sama’ Abdulhadi.” Essa última, apesar de ter apenas os instrumentos, é tão política quanto qualquer outra de Morello. Ele conta que a DJ cocriou a canção com ele durante o ataque israelense na Palestina.
The Atlas Underground Fire chega então com essa tríade de conceitos, todos igualmente importantes para Morello. O álbum, passando do ativismo político à luta pela saúde mental, resume a montanha russa que tem sido os últimos 18 meses. Morello reconhece que isso só foi possível devido a sua paixão pela curadoria. “Um dos meus talentos que eu realmente amo é a curadoria. Eu amo fazer curadorias. Sabe, com qualquer coisa, desde cuidar do time de futebol das crianças quanto para criar um álbum. Jogar ideias de um lado pro outro é algo que faz o processo criativo acontecer. Todos os colaboradores tiveram a liberdade para criar o que eles queriam, mas sempre fiquei de olho para me certificar que o resultado soasse um álbum do Tom Morello.”