domingo, 17 de março de 2024

Review: Bruce Dickinson – The Mandrake Project (2024)





Review: Bruce Dickinson – The Mandrake Project (2024)







Há um intervalo de dezenove anos entre o novo álbum de Bruce Dickinson e o seu trabalho solo anterior, Tyranny of Souls, lançado em 2005. Praticamente uma vida. E não é preciso pensar muito para perceber que todo esse hiato afasta The Mandrake Project da sonoridade presente nos discos anteriores de Bruce. Ou seja, nada do metal contemporâneo e com guitarras afinadas em tons mais baixos de The Chemical Wedding (1998) e Tyranny of Souls, e nem mesmo do retorno à sonoridade clássica do metal britânico que ouvimos em Accident of Birth (1997). The Mandrake Project vai por outro caminho, e isso é muito bom.



Sétimo álbum de Bruce Dickinson, The Mandrake Project retoma a parceria do vocalista com Roy Z, guitarrista que é o grande parceiro criativo de sua carreira solo e também assina a produção. Ao lado dos dois temos o tecladista italiano Mistheria e o baterista norte-americano Dave Moreno, conhecido pelo seu trabalho no Puddle of Mudd. Também participam do álbum o guitarrista grego Gus G (Firewind, ex-integrante da banda de Ozzy Osbourne, que faz o solo de “Eternity Has Failed”) e o guitarrista suíço Chris Declercq (que já trabalhou com Lemmy e Blaze Bayley e sola em “Rain on the Graves”).

Bruce explora nas letras temas como alquimia, misticismo e ocultismo, assuntos recorrentes em sua obra tanto solo quanto no Iron Maiden. Já musicalmente, as dez faixas são menos pesadas que os três trabalhos anteriores do vocalista, e apresentam influências que vão do hard e metal clássicos dos anos 1970 até elementos que remetem ao rock progressivo, uma das paixões do cantor. As canções não pisam no acelerador e possuem andamentos mais moderados, característica que também vem ocorrendo com o Iron Maiden já há alguns anos. E, por mais que tal afirmação seja quase um clichê, The Mandrake Project não é um álbum para ser ouvido na correria do dia a dia e demanda mais do que apenas uma audição para ser assimilado em toda a sua complexidade e grandiosidade.





De modo geral, a impressão que The Mandrake Project transmite é a de que Bruce Dickinson olhou para as canções mais atmosféricas de sua discografia, como a dobradinha “Omega” e “Arc of Space” de Accident of Birth e “The Alchemist” de The Chemical Wedding, como ponto de partida para a sonoridade do novo disco. The Mandrake Project não soa como um álbum de heavy metal em sua totalidade, e, quando faz isso, soa como um trabalho nada tradicional de metal. Isso não quer dizer que o disco não tenha peso, muito pelo contrário, mas o peso vem acompanhado de passagens mais contemplativas, sempre com o alto grau de dramaticidade que envolve qualquer trabalho com a voz de Bruce. Traduzindo: tá esperando um novo Accident of Birth? Não irá encontrar. Um novo The Chemical Wedding? Muito menos. Algo parecido com a fase clássica ou até mesmo com os discos mais recentes do Iron Maiden? Também não é nada disso.



The Mandrake Project é um álbum com características próprias e bem particulares, que mostra um dos maiores vocalistas da história do rock totalmente à vontade para experimentar e fazer a música que bem entende, no alto de toda a experiência e segurança que os seus 65 anos de vida e mais de quarenta de estrada proporcionam. Um álbum de um artista que buscou, de forma consciente, não se repetir e entregar o que já havia feito antes. Bruce quis fazer algo novo em The Mandrake Project, e isso, por mais que seja arriscado e proporcione alguns inevitáveis deslizes, é sempre louvável.

“Afterglow of Ragnarok” abre o disco com um belo riff e é uma das grandes músicas do álbum. “Many Doors to Hell” possui um clima mais hard e um refrão festivo que nos leva aos tempos de Tattooed Millionaire (1990), primeiro álbum solo de Bruce Dickinson. “Rain on the Graves” traz Bruce mais narrando a letra do que cantando, e essa escolha acentua o clima dramático da faixa. Já “Resurrection Men” é um hard rock com uma pegada meio anos 1970, com direito a uma parte central mais cadenciada e com muito peso, além de entregar aquele que é, provavelmente, o refrão mais grudento do disco. Em “Fingers in the Wounds” temos uma canção mais dramática, com direito a piano ao fundo e uma interpretação ótima de Bruce. Essa música apresenta também trechos orquestrados que acentuam ainda mais a teatralidade, além de uma levada meio latina na parte final.



“Eternity Has Failed” é a versão de Bruce Dickinson para a canção que abre o álbum The Book of Souls (2015), do Iron Maiden, lá intitulada como “If Eternity Should Fail”. Essa faixa nasceu como uma música para o futuro álbum do vocalista, mas Steve Harris a ouviu na época e gostou muito, convencendo Bruce a levá-la para o Maiden. A versão presente em The Mandrake Project é mais crua e menos classuda que a gravada pelo Iron Maiden, e fica abaixo da que está em The Book of Souls, que na minha opinião é uma das grandes músicas da fase sexteto da banda inglesa.



Em “Mistress of Mercy” temos não apenas uma das melhores faixas do álbum, como uma das melhores músicas gravadas por Bruce Dickinson em toda a sua carreira solo. As guitarras de Roy Z estão excelentes e alternam peso e melodia, tudo com um clima épico e ao mesmo tempo meio atmosférico. Já “Face in the Mirror” não mantém o alto nível e é uma das tradicionais baladas presentes nos álbuns solo do vocalista, porém muito abaixo não só das demais faixas do disco mas também de todas as baladas dos álbuns anteriores de Bruce. Além disso, traz um refrão fraco e que se repete infinitamente. Fazendo uma ligação com os trabalhos anteriores, “Shadow of the Gods” tem em sua frase inicial um trecho da letra da canção “The Chemical Wedding” e possui um clima sombrio e denso que chega a remeter a “Man of Sorrows”, de Accident of Birth, com direito a um grande riff de Roy Z na parte final e Bruce soltando a voz e beirando até mesmo um surpreendente gutural. Uma curiosidade é que essa música foi escrita para o projeto The Three Tremors, cuja ideia era reunir Bruce, Rob Halford e Geoff Tate – ou Ronnie James Dio, dependendo da fonte – em um álbum conjunto.





O disco fecha com “Sonata Immortal Beloved”, canção com quase dez minutos inspirada na atemporal “Moonlight Sonata” de Beethoven, uma das mais belas e famosas peças para o piano da história da música, e também no filme Immortal Beloved, lançado no Brasil como Minha Amada Imortal em 1994. Um encerramento perfeito para a proposta que o disco entrega.

The Mandrake Project é um álbum pretencioso e grandioso, como tudo que envolve Bruce Dickinson. O vocalista está cantando de forma irretocável, com uma performance que alia técnica e emoção de forma perfeita. As canções fogem, de modo geral, da sonoridade mais tradicional do metal, e isso não é nada surpreendente pelo próprio histórico dos álbuns solo de Bruce, que já gravou discos como Skunkworks (1996). Trata-se de um trabalho criado por um músico que esbanja maturidade e pode se dar ao luxo de produzir exatamente a música que está afim de fazer, sem se preocupar com pressões da gravadora ou dos fãs. Bruce, e o próprio Iron Maiden, alcançaram esse direito ao longo dos anos, e é muito bom ouvir esse privilégio sendo colocado em prática.

Os melhores álbuns solo de Bruce Dickinson seguem sendo Accident of Birth e The Chemical Wedding. Porém, The Mandrake Project é um dos discos mais corajosos e independentes de Bruce, justamente pela liberdade que o vocalista conquistou de fazer somente aquilo que deseja.

Edição brasileira lançada pela BMG em um digisleeve de três faces, com encarte de vinte páginas, verniz aplicado na capa e tiragem inicial de duas mil cópias

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