Mesmo sendo uma verdadeira lenda do Thrash germânico, o Kreator nunca teve medo de explorar fronteiras além do estilo. A prova disse se deu nos anos 90, onde em prol da sua liberdade criativa, não tiveram medo de experimentar a inclusão de novos elementos em sua música, indo do Industrial ao Gótico, passando pelo Hardcore e o Groove. Se em Renewal (92) isso funcionou magistralmente, em Cause for Conflict (95) ficou naquele limbo em que não empolgou, mas também não decepcionou, e em Outcast (97) simplesmente não deu certo, sendo esse talvez o ponto mais baixo da sua carreira.
Após um trabalho burocrático e sem inspiração, a lógica seria simplesmente lançar um álbum fazendo aquilo que faziam de melhor, ou seja, Thrash Metal puro e simples. Mas Mille Petrozza e cia não eram muito chegados ao óbvio, e resolveram ir ainda mais fundo nas experimentações. Surgiu assim aquele que pode ser considerado seu trabalho mais controverso, o odiado e igualmente amado Endorama, um trabalho que se por um lado, fugiu totalmente das características básicas do quarteto, por outro se mostrou muito mais inspirado e criativo que seu dois antecessores.
Entendo perfeitamente aqueles que desaprovam Endorama, afinal, para conseguir fazer uma audição prazerosa do mesmo, é necessário que o ouvinte esqueça que estamos falando da mesma banda que gravou clássicos como Pleasure to Kill (86), Terrible Certainty (87) ou Coma of Souls (90). Aliás, vou além, deve esquecer que esse é um álbum do Kreator. Isso porque aqui, os alemães passaram longe do Thrash Metal que os consagrou, flertando acima de tudo com o Gótico e, em menor intensidade, com o Industrial. E bem, convenhamos, para um fã die hard, simplesmente ignorar que esse é um trabalho do Kreator é algo praticamente impossível. Não gostar de Endorama é mais do que natural para os que se encaixam nesse grupo.
Mas existem aqueles que possuem a cabeça mais aberta para música, e para esses, o 9º álbum de estúdio do Kreator pode ser considerado uma pequena pérola perdida em meio à discografia tão brilhante. A abordagem é mais atmosférica, mais sombria e minimalista, com canções muito bem escritas e ótimas performances individuais, além de um bom uso de sintetizadores, que surgem sem exageros e nos momentos certos, dando um leve toque Industrial às canções. Contudo, o foco principal continua na guitarra, que entrega peso, boas melodias e alguns riffs muito bons, que te cativam com uma facilidade imensa. Sei que o que vou falar vai soar estranho, mas estamos mais próximos de um álbum do The Sisters of Mercy do que de um Endless Pain (85) ou de um Extreme Aggression (89), e ainda assim, isso acaba sendo muito bom.
Como já dito, ao analisar as músicas aqui presentes, devemos esquecer do passado do Kreator (ou então ter uma cabeça bem aberta, como no meu caso). Conseguindo isso, é impossível não gostar de uma música como “Golden Age”, que abre o álbum de forma bem forte, com melodias para lá de agradáveis e um refrão que te pega de cara. “Endorama”, além de contar com bons riffs, tem um clima sombrio e conta com a participação especial de ninguém menos que Tilo Wolff, do Lacrimosa. “Shadowland” é possivelmente o momento mais Heavy metal do álbum, com seu peso e bons riffs, enquanto a esquisita “Chosen Few” causa um estranhamento inicial, com seu climão meio Killing Joke, antes de fisgar o ouvinte. E repare no ótimo trabalho de bateria de Ventor. A dupla “Everlasting Flame” e “Passage to Babylon” são certamente os momentos mais góticos de todo trabalho, com um uso bem legal de Sintetizadores, clima sombrio e boas linhas de baixo.
A segunda metade de Endorama dá uma leve caída de qualidade, mas, ainda assim, passa longe de ser ruim. “Future King” tem riffs e melodias para lá de cativantes, com um refrão muito bom. Ela é seguida de um belo interlúdio de piano, “Entry”, que infelizmente acaba servindo de introdução para a música mais fraca do trabalho, a burocrática “Soul Eraser”, que possui uma pegada mais moderna. Não faria falta alguma se tivesse sido limada e substituída por “Children of a Lesser God”, que saiu de bônus na versão japonesa. Felizmente ela é seguida da agradável “Willing Spirit”, outra que possui melodias cativantes e um bom refrão (por sinal, características fortemente presentes em todo o trabalho). “Pandemonium” não chega a ser uma faixa ruim, porém se encontra em um limbo, já que também não é tão boa quanto as demais. Falta algo a ela que seja capaz de cativar o ouvinte. O encerramento se dá com uma das melhores músicas de todo álbum, “Tyranny”, faixa bem forte e melódica.
Endorama é um ponto fora da curva em se tratando da discografia do Kreator, pois não encontra muitos paralelos com o restante de seus trabalhos. No final, gostar ou não do mesmo, acaba sendo uma questão puramente de gosto pessoal. Controverso? Impossível não ser. Ruim? Os críticos que me desculpem, mas o resultado final aqui obtido está longe disso. Como costumo dizer, se tivesse sido lançado como um projeto paralelo (e possivelmente o deveria), certamente estaria entre os grandes trabalhos da história do Gothic Metal, por mais esquisita que tal afirmação possa soar. Mas felizmente, para a alegria dos fãs, Mille deixou as experimentações de lado, e no seu trabalho seguinte, Violent Revolution (01), voltou a fazer aquele bom e velho Thrash Metal que agrada a todos. Mas isso meus amigos, é uma outra história que será contada amanhã.
Formação:
– Mille Petrozza (Vocal/Guitarra);
– Tommy Vetterli (Guitarra/Guitarra Sintetizada/Programação);
– Christian Giesler (Baixo);
– Jurgen “Ventor” Reil (Bateria).
Faixas:
01. Golden Age
02. Endorama
03. Shadowland
04. Chosen Few
05. Everlasting Flame
06. Passage to Babylon
07. Future King
08. Entry
09. Soul Eraser
10. Willing Spirit
11. Pandemonium
12. Tyranny