quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024
O apocalipse com o Apocalyptica em Porto Alegre
O título desta resenha parece muito clichê, mas na verdade é mais próximo do sentido literal que se possa imaginar. Na última terça-feira, 16, a banda finlandesa Apocalyptica fez o que com certeza ficará marcada em sua memória como uma apresentação única em Porto Alegre, não apenas pela receptividade do público gaúcho e pela excelente performance dos músicos, mas também pelos transtornos de uma grande tempestade que atingiu a cidade durante o show.
O Teatro do Bourbon Country foi, uma escolha bastante pertinente de local dada a excelente acústica e o conforto do espaço que conta com cadeiras na plateia. Foi realmente um local que favoreceu a experiência do público que, surpreendentemente, era bastante diverso. Não se via muitas pessoas vestidas todas de preto ou com cintos de ilhoses, por exemplo, apenas algumas camisetas de bandas variadas de forma discreta.
A abertura da noite ficou por conta do trio gaúcho Atomic Elephant. A casa ainda estava bastante vazia, mas com lugares marcados, as pessoas acabam deixando para chegar em cima da hora mesmo. O trio faz um som instrumental e exibe grande técnica e o virtuosismo característico do metal progressivo, brincando com notas de blues, jazz e muito groove do baixo com a base de uma bateria extremamente rítmica e dinâmica. Com a casa mais cheia ao fim de seu set, a Atomic Elephant foi bastante aplaudida por todos.
Cerca de trinta minutos após o show de abertura, o teatro já estava quase lotado e os violoncelistas Eicca Toppinen, Pertu Kivilaakso e Paavo Lötjönen tomaram o palco de forma um tanto introspectiva. Com o apoio de um baterista substituto, a banda abriu seu setlist com “Ashes of The Modern Wolrld”, do último disco Cell-0, o qual estão promovendo nesta turnê.
Na sequência, o clássico cover de “For Whom The Bell Tolls”, um dos responsáveis pela grande legião de fãs que a banda tem desde os anos 90. O público reagiu conforme o esperado então, com muito ânimo e energia, e a banda já estava interagindo mais com os fãs também, inclusive nas laterais extremas do palco,
Após uma trinca de músicas instrumentais do início do set, Erick Canales deu as caras para cantar “I’m Not Jesus” e “Not Strong Enough”, elevando o show para um formato mais tradicional. O vocalista mexicano foi convocado para acompanhar a banda nesta turnê latino-americana e seu papel é muitíssimo bem executado com sua voz potente e que se adapta facilmente às músicas originalmente gravadas por diferentes vocalistas.
Durante todo o show, os músicos demonstravam bastante carisma interagindo com aqueles mais próximos ao palco e conversando brevemente com o público entre as músicas. Paavo inclusive conseguiu fazer todos os presentes se levantarem de suas cadeiras para curtir “Refuse Resist”, cover do Sepultura.
Erick Canales então voltou ao palco para cantar “Shadowmaker”, que terminou com uma palhinha de “Killing In The Name” do Rage Against The Machine e ainda encantou os fãs com uma ótima performance de “I Don’t Care”. De volta ao formato instrumental, não faltou a bela versão de “Nothing Else Matters”, esta sendo inclusive a única frase cantada em uníssono pela plateia durante toda a música.
Por volta da metade do show, muitas pessoas na plateia já haviam recebido mensagens de amigos e familiares sobre o temporal que caía na cidade, com ventos muito fortes e granizo. Não demorou muito para a luz do teatro cair e as luzes de emergências se acenderam automaticamente. Eicca chegou a brincar que o público havia cantado e vibrado muito alto e que seria causa do blecaute.
A queda durou cerca de dez minutos e os três violoncelistas improvisaram como puderam. A acústica e o tamanho pequeno do teatro vieram a calhar pois Eicca e Perttu puderam conversar com o público mesmo sem microfones e até brincaram ao tocar trechos de “Feliz Aniversário” e a “Marcha Nupcial”. Uma fã ainda zombou das circunstâncias e gritou “bem-vindos ao Brasil!”, e o baterista instantaneamente reagiu com um “ba dum tss”.
Até o final do show, a banda teve dificuldade em completar o set por conta das quedas de energia, tendo inclusive músicas interrompidas pela metade. Contudo, em nenhum momento os integrantes aparentavam estar muito preocupados e mantiveram o bom humor. Com persistência e um pouco de sorte, conseguiram terminar a apresentação com “Seek and Destroy” e a obra prima que é o cover de “In The Hall of the Mountain King”.
Novamente sem eletricidade, Eicca fez os agradecimentos finais da noite sem microfone e iluminado pelas luzes de emergência do local. Ainda conseguiu passar o recado de que a banda está trabalhando em um novo álbum que deve sair ainda este ano, e deixaram o palco em meio a muitos aplausos e gritos animados dos fãs.
É de fato impressionante o quão magnífico é um show do Apocalyptica. Até os fãs que já viram a banda antes devem ainda se surpreender com os violoncelos fazendo as partes de guitarras e baixos, e os músicos batendo cabeça e correndo com seus instrumentos enormes de um lado para o outro do palco, dando uma vida nova ao heavy metal que muitos de nós conhecemos e começamos a gostar há tanto tempo como uma forma de expressão não-conformista, um afronte perante uma sociedade normativa. Aqui, os instrumentos desta noite trazem uma nova perspectiva onde o clássico e o belo mais ortodoxos são os protagonistas dessa mesma expressão insurgente.
Nesta apresentação única, os fãs devem sentir o privilégio da experiência surreal que é um show destes finlandeses; a banda não deixou nada a desejar. Ironicamente, o apocalipse climático que acontecia do lado de fora do teatro não foi mais forte que o próprio Apocalyptica em um palco.
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